Os
tempos eram difíceis e árduos, os dias repetiam-se com o único objetivo de
colocar comida sobre a mesa. Da terra saíam as hortaliças: batata doce, semilhas,
feijão, entre outras; da rocha: os alhos, cenouras e azedas, e de perto dos
ribeiros: o inhame, galhotas, e o agrião. No rosto, as linhas revelam o passar
do tempo, conferindo uma estranha rudeza, que contrasta com um olhar profundo,
doce, estranhamente doloroso para quem o vê pois é claramente sofredor. O dia
começa cedo para as jovens mulheres, as semilhas do jantar do dia anterior, e
uma chávena de café saciam a fome, as galinhas e porcos têm de ser alimentados,
as camas feitas e o chão varrido. No lume é colocado a panela para o almoço, semilhas
e feijão, que será embrulhada numa toalha, juntamente com pequenos pêros e um
pão que alberguerá a mistura de vinho diluído com açúcar e raspas de limão. O
dia será longo e só terminará após o último socalco de terra ser revirado para
receber o mato seco e a feiteira, que servirá de cama para a batata germinar e
crescer. Pelo caminho, colhe-se ainda erva para que no dia seguinte seja
alimentada a vaca, entre a exaustão de um dia de trabalho, a terra e o suor que
lhe desce o rosto, as mãos enrugadas e morenas trabalham rapidamente pois o
jantar ainda terá de ser feito, e a água de rega chegará tarde. As costas doem,
e o peso da barriga custa, os nove meses estão quase no fim, mas a lua está
ainda em quarto minguante, e a erva terá de ser levada até casa. Mais tarde,
com o jantar adiantado, uma lanterna é acesa, o caminho até à cultura ainda é
longo e a claridade é pouca, após algumas horas com os pés gelados e molhados,
o trilitar dos dentes sobrepõem-se ao vento, que move as folhas das árvores
próximas, as dores tornam-se insuportáveis, mas a rega ainda não terminou. A
custo e gelada até à alma, percorre o caminho até casa e lembra-se enquanto
encerra os dentes, que a água terá ainda de ser aquecida e a tesoura
esterilizada. De súbito, e ao mesmo tempo que avista a casa, um fluxo de água
quente desce pelas pernas que tremem, chegou a hora, pensa. Ela nasce, pequena
e rosada, gritando em plenos pulmões. Após ser limpa com paninhos de linho, a
mãe de olhar terno, embrulha-a numa pequena manta e coloca-a ao seu lado por
breves minutos. Logo, os lençóis da cama são mudados, a higiene feita e a roupa trocada, o jantar terminado e o chá tomado, antes de aconchegar-se junto à filha onde acaba por adormecer exausta, esperando pelo marido, que acabará por
chegar...
Chá - decocção de segurelha, Thymus vulgaris, para promover contrações
e a saída da placenta.
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